COMO É UMA AULA DE YOGA PARA CRIANÇAS

Acompanhamos uma aula em Florianópolis para saber como as crianças veem e se beneficiam da prática

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por Beatriz Carrasco, em Florianópolis

O dia amanheceu ensolarado naquela quinta-feira de primavera no sul da Ilha de Florianópolis. Pessoas se exercitando nas ruas, indo para o trabalho a passos tranquilos ou jogando papo fora em frente a pequenos comércios. A missão era acompanhar uma aula de yoga para crianças.

Cheguei às 9h em ponto — frustrada por não ser um pouco antes, para ter a chance de conversar com a professora e as alunas que eu não conhecia até então. Avistei a pequena lojinha, Flor de Grão, com a fachada toda lilás — a cor da espiritualidade. No térreo, o atendente logo me indicou a escada ao lado, de acesso ao 1º andar, onde acontecem as aulas da Yogateca — Bel Bellucci, projeto que atende crianças da comunidade.

Fui recebida com olhares de curiosidade pelas crianças, que já sabiam o motivo da minha visita. A professora Bel Bellucci abriu um sorriso de cordialidade e levou a minha angústia dos atrasados embora. A sorte ainda me ajudou: Bibi, uma das alunas, ainda não havia chegado, então tive tempo de conversar com Bel e as meninas.

LUÁ, NIA, ALISIA, BEL (PROFESSORA), BETINA E NINA | BEATRIZ CARRASCO

Tirei os sapatos e sentei no meio da sala, rodeada por aquela leveza e energia natural de quando se está entre crianças. Bons tempos em que o café não se fazia necessário para ter tanta vitalidade logo cedo.

As meninas logo se apresentaram com detalhes.

- Meu nome é Nina e tenho 6 anos.

- Eu sou a Luá e tenho 8 anos. É Lu-á, com acento no ‘a’, viu?

- Eu sou a Nia e tenho 7.

- Meu nome é Betina e tenho 8.

Assim que começamos a conversa, percebi um dos principais desafios da aula que Bel me confirmaria mais tarde: como manter o foco no meio daquela garotada?

- Quero que vocês me contem por que gostam de fazer yoga. Uma de cada vez! Começando por você, Nia.

- Porque o yoga faz bem para o corpo e me deixa mais calminha. Eu me sinto relaxada, leve. Eu me sinto livre e leve como as nuvens, respondeu Nia, prontamente e arrancando risos das colegas. — Leve como as nuvens! Hahaha.

- O que eu mais gosto no yoga é a música do Bernardo, disse Betina sobre esse importante detalhe da prática que eu desvendaria mais tarde.

- Me sinto livre, relaxada e bem. Sinto que meu corpo está flutuando e também me sinto feliz. Yoga também faz muito bem para o corpo, avaliou Luá.

– Eu me sinto mais alegre e brincalhona, falou Nina com timidez.

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NOSSA REPÓRTER COM AS ALUNAS | BEL BELLUCCI
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AS CRIANÇAS SE PREPARAM PARA A AULA DE IOGA | BEATRIZ CARRASCO

Bel é formada em Hatha Yoga, Yoga Integrativa e Yoga para Crianças. Segundo ela, o segredo de levar a prática às crianças é transformar todas as atividades em algo lúdico.

-Crianças entram em contato com o yoga quando os pais ou instituições de ensino, conscientes das transformações e desafios do desenvolvimento infantil, procuram a prática para que os pequenos tenham acesso a essa cultura e possam se beneficiar tanto quanto um adulto. A diferença é que crianças têm muito mais energia! Tudo precisa ser lúdico. Eles fazem yoga se divertindo.

CONSTRUINDO SERES HUMANOS

Como praticante de yoga, pude perceber desde a primeira aula os avanços que essa nova conexão com o universo poderia me trazer. Mas e quando se é criança?

- O que mudou em vocês depois que começaram a praticar yoga?, perguntei curiosa.

– Eu era entediada, triste e braba. Eu não me sentia bem e depois eu me senti muito melhor. Por isso eu gosto de fazer yoga, disse Luá.

– Eu nem preciso falar, porque eu fiz yoga a vida toda, resumiu Nina.

– É a mesma coisa que a Nina, antes de fazer yoga com a Bel, eu também fazia, contou Betina.

– Quando eu não faço yoga, eu me sinto pesada e triste. Eu só podia ficar mexendo no notebook. Yoga me deixa não tão chata, descreveu Nia.

As primeiras evoluções acontecem logo no primeiro mês de prática, relata Bel.

- O esperado é que ampliem a percepção do universo-corpo, universo-mente. Acredito que o yoga funciona como porta de entrada para a construção de seres humanos mais tranquilos, saudáveis, emocionalmente fortes e inteligentes. Com autoestima e autoconfiança bem desenvolvidas, menos ansiosos, conectados com sua própria essência, através das técnicas de respiração e relaxamento, podendo assim viver melhor em sociedade, respeitando ao próximo e à natureza.

LUÁ EXECUTA UMA POSTURA | BEATRIZ CARRASCO

MEU QUERIDO BERNARDO

Pouco antes de começar a aula, chegou Alisia, 6, para sua primeira prática, com timidez e aguardando instruções — Bibi, por sua vez, acabou não indo mesmo. Todas, então, se posicionaram em roda com seus colchonetes e se apresentaram à nova amiguinha.

- Bom dia! Dormiram bem?, perguntou Bel depois das devidas apresentações.

- Eu não, porque quase caí da cama, a Nina ficou me empurrado, entregou Nia sobre a amiga com quem passou a noite anterior.

- Ela puxou meu travesseiro, rebateu Nina.

A prática do yoga está diretamente ligada à harmonia com a respiração, por isso Bel questionou como cada uma delas respira: pela boca ou pelo nariz? Após orientar que o ideal é respirar pelo nariz, ela entregou uma bexiga para cada aluna.

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CRIANÇAS FAZEM EXERCÍCIO DE RESPIRAÇÃO NA AULA DE IOGA | BEATRIZ CARRASCO

- Eles são espertos, ágeis e se dispersam facilmente. Para os pequenos, a aula tem que ser de forma lúdica. Eles precisam gostar do que estão fazendo, então os conceitos são passados em historinhas, músicas, dinâmicas ou algum acontecimento que eles mesmos partilham em grupo. As respirações são trabalhadas com brincadeiras, como bola de sabão, bexiga, gargalhadas, diz Bel.

Depois do exercício com a bexiga é hora de invocar o Om, som que faz referência à vibração natural do universo, segundo o hinduísmo.

- Assim vamos nos sentir conectadas, orientou Bel, que na sequência anunciou a tão esperada “hora da música do Bernardo”.

- Bernardo é uma poesia do Manoel de Barros, um poeta beeemmm antigo. É a poesia musicada dele, ensinou a professora, ao orientar as posturas que seriam feitas durante a música. A satisfação toma conta da sala.

Os ásanas — posturas de yoga — acontecem de forma breve, sem uma permanência longa, e o relaxamento também é adaptado a cada faixa etária. O desafio é adaptar a linguagem, as posturas, as atividades, o tempo de aula. Bel diz que tudo precisa ser pensado antes, e é preciso ter mais cartas na manga, muitas vezes o planejado não funciona tão bem e é preciso o feeling para lidar com o inesperado.

- A correção postural vai acontecendo naturalmente, a medida em que conseguem montar os ásanas, prevenindo problemas futuros. A respiração também melhora bastante, muitos voltam a realizar a respiração completa, como quando eram bebês, acrescenta a professora.

- Põe o Bernardo de novo!, pediram em uníssono ao fim da sequência de posturas.

- Só se der tempo no final da aula, respondeu Bel com paciência.

Bel, aliás, é mãe de uma das alunas, Nina. Foi a maternidade que despertou nela vontade de levar a filosofia do ioga às crianças.

- A vida nos uniu e nos colocou juntas para que aprendamos e cresçamos juntas. Como mãe, observo um ser em construção, que pode crescer forte, saudável, seguro, feliz, apto a lidar com as situações que lhe aparecerem na vida. O yoga é uma ferramenta para isso. As crianças são incríveis, aprendem tudo. Que aprendam o bem então, né? Que possam despertar dentro de si o sentimento do verdadeiro amor, carinho, amizade, perdão, gratidão. Quando cuidamos das sementes, as árvores crescem fortes. Acredito em um mundo melhor, e acreditar nas crianças é fundamental.

EMOÇÕES DE GLITTER

BETINA | BEATRIZ CARRASCO

A euforia pós-Bernardo se dissipou aos poucos e chegou a hora de desenhar mandalas. Bel entregou uma folha de papel para cada uma, com o contorno de um círculo e seu ponto central marcado.

- A partir desse ponto central, podemos desenhar o que quisermos, dentro do círculo, orientou.

Com lápis de cor e papel na mão, elas começaram a brincadeira. E a empolgação novamente tomou conta da sala. Cinco crianças. Um espaço. Com energia para escalar dez árvores em uma hora. Imagine.

- Vamos tentar ficar em silêncio, pediu Bel com delicadeza, até que todas acabaram atendendo e focaram-se em suas mandalas.

Após finalizarem as mandalas, cada uma dobrou o seu papel, entregou a Bel e se preparou para a hora do relaxamento. No início da aula, garrafinhas com água e glitter tinham chamado a atenção das meninas, pois então chegou a hora de entender do que se tratava.

- Essa garrafinha tem água e glitter e representa tudo que está dentro da nossa cabeça, nossos sentimentos, como quando estamos com raiva, nervosas, tristes. Quando estamos assim, nossa cabeça fica desse jeito, disse a professora enquanto chacoalhava o recipiente.

- Então, temos que respirar, porque assim nossos pensamentos vão se acalmar, igual ao glitter na garrafinha, completou.

Com olhares de reflexão, todas deitaram no colchonete.

- Vamos deixar a garrafinha descansar do ladinho da gente -, continuou a professora, ao pedir para que todas fechassem os olhos, conduzindo o relaxamento com música ao fundo. — Fique só pensando no que foi feito na aula, nas posições. Sente a respiração ficando mais calma, mais leve, disse, enquanto elas, de olhos fechados, ouviam atentamente.

Bel conta que os pais dos alunos percebem uma maior tranquilidade da criança em lidar com algumas situações estressantes.

- Alguns pequenos entram em seu quarto em momentos de raiva e respiram até que a raiva passe e eles possam resolver a situação da melhor forma, diz a professora.

GRATIDÃO: MUITO MAIS QUE UMA PALAVRA

- Agora, olha para a amiga que ganhou a mandala e agradece. Como a gente agradece- , indagou. (1)

Ao fim do relaxamento, as meninas se sentaram calmamente, e Bel colocou os papeis das mandalas no centro da roda.

- Cada uma pega uma mandala da amiga, que vai levar de presente para casa, orientou, gerando descontentamento.

- Quero a minha mandala, reclamaram as meninas.

A professora, no entanto, se manteve firme e, com delicadeza, explicou a importância de aprender a doar e agradecer o que se recebe.

- Quando damos uma mandala para alguém, estamos dando um pedacinho de nós, disse reforçando a ideia com vários argumentos. Até que finalmente foi aceita.

- Agora, olha para a amiga que ganhou a mandala e agradece. Como a gente agradece? , indagou.

- Namastê, responderam todas.

- Que significa eu te cumprimento e me uno a você, completou Bel.

- O carinho pelo próximo, o reconhecimento do outro como um irmão também surge. O sentimento de gratidão é perceptível em muitas situações. Eles agradecem pelas aulas, pelos amigos que têm, pela família que dá carinho, pelo dia que tiveram… Simplesmente agradecem, relata a professora.

Ao fim da aula, chamei Alisia, a aluna nova.

- O que mais gostou na aula, Alisia?

- O que eu mais gostei foi a música, respondeu com timidez.

- Ficou calminha?

Acenou em positivo, com um sorriso inocente e cheio de satisfação.

YOGA PARA CRIANÇAS: A VISÃO DA PSICOLOGIA

Moradora de Florianópolis, Ana Trevisan é psicóloga e também professora de yoga. Mãe do pequeno Theo, de 2 anos e meio, ela avalia que ensinar a prática às crianças é mostrar um caminho que conduz ao autoconhecimento e paz interior.

- A prática de yoga pode ajudar a criança a encontrar a própria paz. Pode ajudar a identificar sensações e sentimentos, facilitar a convivência harmônica com os outros. A criança tem a possibilidade de, através da prática, conhecer um pouco mais sobre ela mesma e suas emoções. Além disso, estimula a convivência em harmonia com as pessoas e os seres ao seu redor.

Formada em psicologia clínica e terapia gestalt, Ana observa que o yoga também explora valores éticos como a não violência, a verdade e o respeito.

- No yoga se abre um espaço para que a criança possa perceber seu espaço corporal e mental. O objetivo é facilitar que a pessoa acesse um lugar tranquilo em si mesmo. Para a criança, isso pode ser muito bem-vindo para sua saúde total. A prática para crianças precisa ser lúdica, estimulando o brincar, o compartilhar e a convivência harmônica com os demais e o planeta. Através da meditação e da oração, a yoga para crianças desperta o olhar para a consciência espiritual. Trabalhar corpo, mente e espírito é o propósito da prática em qualquer idade.

Em casa, Ana já vê os frutos de sua filosofia de vida em gestos do filho, ainda que bebê.

- Com o Theo, procuro sempre ensinar os valores éticos, além de convidar para alguns mantras e sempre para orações. Ele tem 2 anos e meio e já está acostumado a agradecer pelo alimento antes de comer. Se a gente se esquece de rezar, ele junta as mãozinhas e reza, diverte-se com satisfação.

A PRÁTICA NAS ESCOLAS: UMA BOA CAUSA PARA LUTAR

Em Florianópolis, a escola municipal Lupércio Belarmino da Silva encontrou uma maneira diferente de controlar a ansiedade e estresse de seus alunos: a meditação. A prática foi implementada pela professora de educação física Rosângela Martins dos Santos e fez tanto sucesso entre alunos e docentes que começou a ser estudada pela Prefeitura de Florianópolis para, quem sabe, ser levada também a outros estabelecimentos de ensino.

Rosângela conheceu em 2009 o método chamado Yoga na Educação, criado pela francesa Michelina Klak e pelo suíço Jacques De Coulon. Ela, então, começou a levar a prática para suas aulas, além de incorporar a Meditação para Paz, da indiana Anmol Arora.

Segundo a ONG Mente Viva, coordenada por Anmol Arora, a meditação já é ensinada em 194 escolas brasileiras. No País, cerca de cinco mil crianças têm contato com a técnica. Uma garotada que, desde sua formação, já assimila como algo natural o viver em harmonia consigo, com o próximo e com a natureza. E são eles o nosso futuro.

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