ENTREVISTA | CAO GUIMARÃES

O artista fala da chegada aos 50 anos e dos trabalhos sobre o chão, para ele, uma cama de recepção de marcas

Clichetes
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por Andréia Martins, Carolina Cunha e Juliana Farinha

N a obra do artista plástico e cineasta mineiro Cao Guimarães não é difícil achar trabalhos que falem sobre pessoas e lugares de passagem. E é no chão que esses dois elementos se encontram, afinal, é nele que deixamos nossas pegadas, pistas e rastros ao longo do caminho. A exposição “Depois”, em cartaz em São Paulo, é um pouco de tudo isso: o chão e suas marcas daquilo que sobra, que permanece, depois que algo ou alguém se vai, passa.

A cada edição ou corte de um ensaio de fotos ou de um filme, o que sobra fica à espera de uma segunda chance ou aceita o destino de ser apenas sobra. Foram esse materiais, feitos em diferentes tempos e lugares, que Cao revisitou para reuni-los sob uma nova perspectiva. O que era resto, agora é o elemento principal da narrativa.

-Muitos desses materiais eu encontrei entre as várias sobras de filmes, de fotos, que fui acumulando ao longo da carreira. É um sinal dos nossos tempos: eu, que trabalho com audiovisual, vou deixando de lado uma porção de registros que não incluo nos trabalhos. E ao revê-los, percebi que tinham uma intenção estética, um olhar que, mesmo um pouco inconsciente, estava atento a uma identidade formal, à beleza das imagens.

O mote para a exposição partiu de um texto do patafísico francês René Daumal (1908–1944), no qual ele associa a noção de buraco à do fantasma, sendo o buraco entendido como uma ausência rodeada de presença.

Essas duas ideias, ausência e presença, permeiam os trabalhos da mostra, uma vídeo instalação e cinco séries fotográficas. Há fotos de folhas caídas no chão que mostram ao seu redor o halo de umidade deixado pela chuva que passou, formando pequenas ilhas; das pegadas de trabalhadores da construção civil, uma marca da ação dos homens por meio de seus passos e gestos; e ainda pegadas de pássaros sobre a areia de uma praia, onde a trama lembra uma renda ou fios de arame farpado.

As impressões sobre as fotografias expostas são de uma produção sem pressa no olhar e que reforçam uma das características de Cao: seu constante deslocamento para conhecer lugares, pessoas e histórias pelo Brasil e pelo mundo. A mostra foi preparada em paralelo à produção do livro Cao, uma retrospectiva da produção do artista assinada por ele e que traz verbetes relacionados aos seus trabalhos, feitos por Moacir Dos Anjos, e também da chegada aos 50 anos, completados em janeiro.

-Acho que é uma idade interessante. Vem uma mistura de saudade da juventude, que todo mundo tem, e uma alegria de ter passado por tudo isso. É óbvio que a gente está o tempo todo mudando, ainda bem, ou a gente ficaria muito esgotado da gente mesmo. Mas eu acho delicioso poder voltar a coisas que te espantaram numa época e hoje, com um olhar um pouco mais maduro, você vê de outra. Eu preciso criar até o último dia da minha vida, é transformador. Aí não importa mais, 50 ou 20 anos. É tudo igual. Quando você tem a emoção plena da criação, é maravilhoso.

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