MAICKNUCLEAR: A FRONTEIRA ENTRE A POESIA E O TERROR

O terrorismo poético de Maicknuclear em três etapas

Clichetes
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por Letícia Iambasso

TERRORISMO POÉTICO 3 — O DESEMBESTO FINAL

A placa de aviso é bem clara: Este filme não é uma comédia. De todas as intenções que levaram Maicknuclear — ou como o batizaram, Maick Thiago Lenin — a realizar todos os tipos possíveis de intervenções urbanas que levam ao pensamento filosófico, ser engraçado não estava entre uma delas.

– Não é para ter humor. E mesmo contra a minha vontade, tem.

LAMBE LAMBE DE MAICKNUCLEAR EM UM POSTE EM SÃO PAULO

Um homem está parado na rua Oscar Freire, um dos redutos do consumismo em São Paulo. Sem aviso prévio, ele arranca suas roupas e permanece somente de meias amarelas e cueca vermelha. Se for para chamar a atenção, ele conseguiu, mesmo que disfarçadamente. Enquanto caminha lentamente pelas calçadas faz com que os olhares de senhoras com sacolas, seguranças e vendedores engravatados o acompanhem. Dança em um poste, imitando o famoso pole dance das boates. Consegue outros olhares, alguns risos. Mais nada.

Essas cenas podem levar facilmente quem vê ou ouve falar a um estado de graça. Ao vivo, não é muito bem o que acontece. A curiosidade passa bem longe quando alguém atravessa o caminho de alguma intervenção de Maick. É como se a mente soubesse: “olhe, esse cara quer me dizer algo com isso, mas não estou com vontade de pensar e por isso vou fingir que não existo”. Sim, é isso o que acontece. Ao invés de não olharem para ele ou sua arte, as pessoas passam tentando mostrar que elas mesmas não estão ali.

O Terrorismo Poético nasceu da necessidade de Maick expressar sua indignação e melancolia aos que habitam a capital urbana. Através de intervenções urbanas como a descrita na cena acima, ele tenta extrair a máxima curiosidade para seus atos, a fim de fazer as pessoas saírem de suas apatias. Além da atuação ao vivo, ele grava todas essas cenas e edita para inseri-las no meio em que elas mais proliferam: a internet.

Dedicado a todos que ainda pensam por si mesmos, um dos objetivos iniciais das intervenções para o Terrorismo Poético era arrancar a venda dos olhos das pessoas para o que ele acredita ser o “mundinho” delas. Hoje, quer mais é chocar. Menos poesia e mais terror. Continua tentando, como um vício.

– Não considero a arte um trabalho, é mais um prejuízo. Se conseguisse parar, eu pararia. Não conto com reconhecimento, eu faço porque é próprio de eu fazer.

Maick possui várias faces e discorda totalmente de quem tenta julgá-lo por uma só. Prefere ser apresentado pelo lado do ser humano que tenta ajudar outros e desvia de assuntos pessoais como família e sobrevivência.

– As pessoas medem muito por onde você mora e pelo que você faz. Eu não sou onde moro nem o que faço, eu sou eu.

Em seu perfil em sua página virtual, ele escreve: “As informações abaixo são coisas que fiz, não quem eu sou”. E entre essas coisas, e apesar de não depender dela para sua subsistência, a arte sempre está presente. Atualmente, ele promove seu primeiro curta-metragem, sobre os chamados “lambe-lambe”, uma forma de arte urbana que cola cartazes pela cidade. O título do filme — Cola de Farinha.Doc — é uma alusão ao tipo de cola utilizado nessas obras. Desde que o documentário foi lançado, em janeiro de 2013, notícias sobre o curta foram postadas em sites de street art da Inglaterra, França, Estados Unidos e Brasil.

Em seu livro mais recente, As Transliterações do Ópio,ele reúne textos antigos que reunidos transformaram-se na “literatura explosiva de Maicknuclear”. Quem diz isso é o autor do prefácio, o dramaturgo, escritor e diretor Mário Bortolotto que o define como um escritor que pensa antes de cometer algum deslize.

“Sua narrativa transita livremente entre a podridão mais bukowskiana possível até o jogo de palavras mais rebuscado e alucinante meio pop meio erudito meio porra louca meio atento meio cheio de personalidade, mas com uma desencanação do tipo nada a ver”.

É possível enxergar isso ao ler pela primeira vez um dos seus textos. Também autor dos livros Meu Doce Valium Starlight e dos e-books Dançando Valsa Nos Salões Do Inferno e As Vadias Platinadas e Seus Drinques Solitários, a literatura na sua vida iniciou-se nem cedo, nem tarde, mas no momento exato: quando há possibilidade de colocar para fora aquilo que você vê do mundo. O trecho a seguir, retirado da sua primeira publicação online, sugere sua passagem para literatura:

“Rompi, também, os limites daquele pequeno portal para um mundo de hedonismo recalcitrante e luxúria psicotrópica. Um mundo onde os desejos mais sórdidos e pervertidos davam vazão ao ato, a experiência (tipo uma casa de profissionais “liberais” nos anos oitenta do século passado, tá ligado?!). Um lugar onde a polpa da lisura moralista descia privada abaixo e toda a fé que havia no âmago dos seres transformava-se num saboroso, mortal e corruptivo pecado. E ao atravessar os limites, da casta sanidade rumo ao gelado piso de hiperbólica voluptuosidade, os anjos que nos olhavam, caíam aos nossos pés mundanos. E beijavam com devoção, a venda de nossas almas aos bailes salafrários, enquanto nos serviam ácido em lindas taças de cristais…”

Em 2010 fundou a Fronteira Filmes, produtora independente que realiza os curtas-metragens intitulados de Terrorismo Poético. Nela, exerce a função de diretor, produtor, editor, roteirista e câmera, mas não quer que pensem que faz tudo por se considerar autossuficiente. Seu autodidatismo nasceu da necessidade de realizar, quase sempre, toda a produção dos filmes sem ajuda alguma.

Quando realiza suas intervenções, Maick navega por mares solitários e silenciosos, por não encontrar pessoas loucas o suficiente para entrarem na vibe do terrorismo poético. Em As Transliterações do Ópio, é possível constatar sua solidão no fragmento: “… a noite é o clichê da minha vida, pois nem todos os Maicks são nucleares…”.

Em seus dois primeiros filmes, as ameaças pela prevalência da amizade conseguiram fazer com que alguns amigos o auxiliassem nas filmagens. O que era para ser um simples encontro entre dois colegas para tomar uma cerveja, era transformado na gravação de mais uma intervenção urbana.

Esses momentos são repetidos nas divulgações e exibições dos seus trabalhos. O mundo underground da arte urbana de São Paulo respira independentemente, seja de exposições, coletivas, lançamentos ou mídia. Para esses artistas, nesse mundo cada vez mais virtual, os compartilhamentos em redes sociais é o novo boca a boca. Desde a virada do século, a febre da internet, principalmente das redes sociais, ajudaram Maick a espalhar seus trabalhos nas comunidades virtuais. Primeiramente, com a música e a literatura. E desde 2010, com os vídeos.

Nos seus sonhos mais diversos, Maick espera ansiosamente pelo dia em que os festivais, mesmo aqueles chinfrins, irão exibir seus filmes.

– Não queria ganhar dinheiro, prêmio, nada. Só queria que as pessoas assistissem.

Desejo de um artista sonhador. Aquele que não faz arte por um objetivo, mas tem todos os motivos para fazê-la. Maick queria tirar a apatia das pessoas. Destruir as ilusões. Hoje ele já não vê com bons modos continuar com seu comportamento “bonzinho”. Sua última ideia, considerada genial em dezembro passado, não deu certo. Novamente por falta de ajuda:

– Queria colocar um boneco fantasiado de Papai Noel com uma corda no pescoço em pleno túnel da Avenida Paulista.

Assim como nos cotidianos das vidas urbanas, ao se depararem com a figura de Maick, vestido de saco preto ou com uma máscara de carne no rosto, as pessoas fingem que nada está acontecendo. Maick já se acostumou com isso. Ele sabe que as pessoas não vão mudar ou sair do caminho pré-estabelecido para desviar o olhar ao que está acontecendo em algum canto da cidade.

– Eu só queria retirar a indiferença das pessoas. Se elas ficassem com ódio de mim já estava bom.

Depois de afirmar isso, ele se cala brevemente. Bebe mais um pouco da água, enquanto seu olhar se concentra em algum ponto distante. A barba por fazer, o chapéu de palha, a voz baixa e a pequenez dos olhos podem dar a impressão de cansaço ou noites insones. Mas eram somente sintomas de uma gripe passageira, conforme me disse no dia posterior em uma mensagem virtual com um pedido de desculpas.

Estamos sentados em uma mesa grande de madeira. O ambiente está cheio de crianças que correm animadamente entre as mesas e sofás dispostos na sala de estar do restaurante. Orgulhoso do seu trabalho, ele prefere não comentar sobre suas últimas atividades corporativas na sobrevivência do seu dia a dia. O último cargo ocupado em uma empresa foi o de restaurador de som profissional no bairro do Brás, em São Paulo. Era um trabalho certinho, como manda o figurino, com horário de entrada e saída. Difícil acreditar nessas palavras quando se torna a ver os trabalhos artísticos de Maick.

TERRORISMO POÉTICO 2 — A POLÍTICA DO ARREGAÇO

Parece uma pegadinha do Sílvio Santos, mas não é. O rapaz de terno e gravata preta, camisa branca e óculos escuros descansa tranquilamente em cima de um papelão em frente ao Conselho Tutelar de São Paulo, na filial da Sé. As pessoas passam rindo, muitas não olham ou logo desviam o olhar, como se ficassem com vergonha. Da mesma forma, um morador de rua está presente na cena, e a comparação com os dois é inevitável.

– Na cidade onde milhares de mendigos são invisíveis, como um sem-teto de terno e gravata conseguiu vencer a visibilidade?

Maick questiona para si mesmo enquanto sente na própria pele o que um morador de rua experimenta todos os dias: a mágica de ser invisível aos olhos de seus semelhantes. Se é que podemos chamar de semelhança dois grupos de seres humanos tão diferentes em seus caminhos e convicções. A sociedade industrializada, as pessoas automatizadas como máquinas, a rotina pela sobrevivência diária, o trabalho por pura obrigação, sem levar ao prazer de se sentir útil em realizar algo no mundo. E quando há a oportunidade de fazermos algo divertido, nossas escolhas são aquelas cuspidas pela televisão. Do outro lado, pessoas que também já fizeram essas escolhas e hoje vivem à margem disso tudo. Em “As Transliterações do Ópio”, ele afirma:

“Não sei. Às vezes acho que há muitas pessoas sofrendo de vazio pré-fabricado. Como se tarja preta fosse status para essas milhões de ‘cópias alternativas’. O mundo realmente está perdido. Há caretas dizendo serem loucos e redes servindo de ‘carapuça em massa’. Há inúteis correndo atrás do sonho alheio”.

As diferenças e igualdades do ser humano passam pelos olhos do artista como os carros passeiam pelas estradas desengarrafadas. Somos iguais fisicamente: temos um corpo com um longo tronco, uma cabeça segurada por ele, dois braços e pernas que se movimentam em completa harmonia. Temos as mesmas necessidades físicas: respirar, comer, dormir. Até mesmo dentro de nós, a semelhança existe. Exceto por um órgão: o cérebro. E é nesse ponto em que o necessário deveria mudar, mas não é alterado. Afinal, nossas escolhas emocionais tem um único objetivo: ser feliz.

– As pessoas não diferem nessas escolhas. Só que não enxergam isso.

Talvez o propósito inicial de Maick fosse realizar arte com filosofia. Mas ser contra o sistema não é fácil. Porque não é o sistema que faz as pessoas, e sim as pessoas que fazem o sistema. A culpa não pode sobrecair em uma cabeça só. Milhares de anos já se passaram e a pergunta “Por que estamos aqui?” ainda não foi respondida.

Desde que começou a realizar as intervenções urbanas, Maick se colocou em situações, que fora do contexto das metáforas do cotidiano, podem ser vistas como ridículas: entrar vestido de saco plástico dentro de uma loja para perguntar à vendedora se há casaco de papelão à venda, entrar no metrô com uma cartolina na cabeça, desenhada com o formato de um peixe lateral. Ele não se incomoda. Nem pela sugestão de “passar pelo ridículo”.

O transporte público de São Paulo recebe milhares de pessoas todos os dias. A caminho do ganha-pão, do estudo, da consulta médica, dos afazeres cotidianos. O metrô recebe boa parte de quem precisa se locomover pela cidade para essas tarefas. Em meio à multidão, um homem se destaca pela desnaturalidade de sua vestimenta: nos pés, sapato social preto; no corpo, terno; na cabeça: um peixe desenhado em uma cartolina branca esconde seu rosto. A ideia parece óbvia, mas “O Homem Sardinha” não consegue transpassá-la para os demais peixes que apertados, só esperam sair logo do aquário.

– As pessoas são treinadas pelos seus líderes — gurus, ídolos que nasceram para ser isso. Elas defendem causas que nem conhecem.

Se existisse algum movimento contra o ego, ele teria Maick como seu representante. Por várias partes da cidade, estão colados cartazes com a divulgação de links da internet para sua arte. Para chamar a atenção, ele utilizou o humor (de novo!) com a poesia. A iniciativa deu certo e uma das frases mais famosas circula pelo mundo digital, tendo até sido inscrita em concursos de humor organizados pelo site Catraca Livre:

Pai Maicknuclear

Lê Poema

Amarra Prosa

Traz seu texto de volta em sete dias

– As pessoas tiram foto, colocam no Facebook, mas ninguém coloca meu nome. Não fico chateado por não colocaram o crédito. Mas seria legal colocar.

Maick recebe sempre de braços abertos algum tipo de reconhecimento. Pode ser um crédito pelo trabalho, um convite ou um simples obrigado. O que não aceita é que as mais de 17 mil pessoas que já leram seus e-books, as 10 mil que já assistiram os curtas do Terrorismo Poético e as demais que curtem suas páginas e sites, neguem efusivamente terem gostado de algo. O medo de sair de caminhos intelectuais pré-estabelecidos também existe.

Exímio difusor de suas ideias, Maick não lê alguma obra somente por ler. Como diz, não é dessas pessoas que acredita que somente por ler livros se tornará mais inteligente.

– Depende muito do texto, se for ruim, eu jogo fora.

Como escritor, prefere ser ele mesmo, a aceitar que foi ou é influenciado por alguém. Na cabeceira da sua cama, os autores franceses Antonin Artaud, Arthur Rimbaud e Marguerite Yourcenar possuem lugar cativo. Mas o que o mais influenciou a estrutura de seu texto foi Charles Baudelaire com sua escrita inquietante e libertina. Principalmente o verso do poema Ao Leitor:

Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada,

Não bordaram ainda com desenhos finos

A trama vã de nossos míseros destinos,

É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada

Alguns dicionários da língua portuguesa definem a palavra política como “uma arte de negociação para compatibilizar interesses” ou “aquilo que se diz respeito ao espaço público”. Das duas definições, a que mais combina com Maick é a segunda, já que é das ruas que surge sua arte. Ademais, a expressão política não lhe cabe nenhum sentido.

– O que você acha da política? Você vota?

– Eu me interesso por geopolítica, mas odeio o termo “politizado” porque ele te enquadra em um lugar-comum, te torna um militante chato e eu não sou isso. Sempre voto em dois números: o 69 e o 00.000.

– E porque o interesse em geopolítica?

– Não existe direita e não existe esquerda, mas sim uma ilusão criada, porque ela é necessária. Os opostos são necessários para tudo. Até para uma falsa sensação de equilíbrio. Na verdade, o que existe é apenas um jogo de interesses grupais, o que não exclui os grupos contrários, pois eles lidam um com o outro. Todos perdem um pouco e ganham muito, mas não há oposição nenhuma. Todo totalitarismo cria uma falsa oposição. A história é uma fraude e a todo o momento ela é reescrita em favor das mega elites que dominam o planeta.

O artista não acredita em nenhum sistema em que exista um líder. Porém, o anarquismo também não serviria por ir contra o que é inato do ser humano.

– O anarquismo é legal como ideia, mas é antinatural. As pessoas sempre buscam um líder e um mundo sem líderes é impossível. É impraticável construir uma sociedade sem ninguém que leve a culpa. A maioria absoluta é mero agente repetidor.

Maick diz conhecer diversas pessoas com o pensamento igual. Quando ouve que ele é a primeira que eu conheço com a mesma ideia sobre política, ele murmura um simples:

– Que triste!

TERRORISMO POÉTICO 1 — O FILME

“Todo sonho tem preço, não me culpe se a bíblia é um grande eufemismo para a ‘lei da selva’. Respire, dê um tempo, segure aqui minhas armas enquanto vou ali fazer das tripas um rebento. Partir pro arrebento. Enquanto arrebento cream craker e tormento”.

A citação acima, retirada do último livro de Maick, traduz o sentimento daquele dia. Era o ano de 2007 e ele, após tentativas frustradas de formar uma banda de rap com alguns amigos, vivia pelos cantos mais remotos da cultura paulista, procurando algo ou alguém para compartilhar seu espírito incansável pela arte democrática. O mundo literário virtual ia de vento em popa com sua revista Lasanha Literária fazendo barulho pelo país afora, recebendo contribuições de escritores de vários tipos e personalidades.

Há algum tempo, ele tentava encontrar uma forma de expor toda criatividade acirrada dentro de si. Só não sabia que naquele dia, um sábado de apresentações performáticas de escritores independentes na Biblioteca Alceu Amoroso Lima, localizada em Pinheiros, zona oeste de São Paulo e famosa por dar oportunidades para essas apresentações, encontraria a razão pela qual sempre enxergou como é a vida e o mundo fora dos limites da hipocrisia e da mentira. Comprovando antigas teorias nascidas da observação natural.

– Desde a minha infância, eu observava meus familiares e amigos, colegas da escola. Descobri que as pessoas foram doutrinadas e esculpidas e forjadas no fogo da apatia. Bastou analisar as atitudes humanas para reparar que tem algo errado e doentio.

Foi em um final da tarde de sábado em 2007. 14 de julho. Às 16 horas. O convite: ir ao lançamento de um livro de um amigo. Parecia simples. O que aconteceu lá, não. Marcelo Ariel, o escritor e também ator, aparece para os presentes no local, mas ao invés de distribuir autógrafos, atitude normal a ser encarada pelas pessoas que vão a um evento desse tipo, encena o que escreveu.

Sem falar nada, surge com a bandeira do Brasil enrolada no corpo e uma toca que cobre toda a cabeça, aquela tipo de filmes de ninja, somente com os olhos e a boca aparecendo. De repente, joga um objeto ao chão — CÁÁÁÁ — a força desprendida na ação faz com que o telefone seja despedaçado. O ato acompanha seu grito: “Essa porra sempre foi quebrada”. Esse desenrolar de cenas certamente assusta as pessoas, que não só acompanham atordoadas, como o seguem até o próximo ato: joga ketchup em seu corpo fingindo que é sangue e corre em debelada rapidez para o Cemitério São Paulo, que fica bem em frente à biblioteca. Também aturdido, a mente de Maick só pensa em uma coisa:

– Eu também quero fazer isso.

Naquele dia, seu amigo Marcelo lançou o livro “Me enterrem com minha AR-15” e também a inspiração para Maick criar o Terrorismo Poético. Porém, foi somente três anos mais tarde que o primeiro curta foi realizado. Maick explica:

– Em 2010 fui convidado para um debate sobre Terrorismo Poético. Até então pensei que fosse por conta de meus textos, mas pesquisando cheguei ao livro do Hakim Bey — Terrorismo Poético. Decidi me apropriar do nome, pois em minha concepção o que Hakim Bey propunha eram ações do tipo “fazer por fazer”, “fazer de bobo alegre”. E retomei aquela ideia de 2007 de fazer atos cênicos e performáticos, mas que resultassem em questionamento filosófico, social, político e sobre o cotidiano e não fazer de “feliz”.

Em sua mente, o Terrorismo Poético é uma guerra pessoal contra a alienação, contra a indiferença, contra o sectarismo, contra a rotina.

As escadas da estação Trianon-Masp não param de receber gente. Sem sobreaviso, um cartaz começa a se destacar em meio à multidão que, parada, enquanto aguarda a tecnologia cumprir seu papel, nem desconfia o que diabos significa aquilo:

“NÃO SOMOS UM PEDAÇO DE CARNE”, escrito assim em letras garrafais, com tinta azul borrada em um pedaço de papel branco. O rapaz que a segura, brado e imponente, esconde o rosto em uma máscara feita com um bife de carne, roubado da geladeira da mãe pela manhã, amarrado no rosto por um barbante costurado. Ele continua seu caminho andando em meio à massa humana que cobre as ruas da avenida mais famosa da capital paulista. A massa passa sem ver, finge arrancar os olhos da face, colocando-os de volta depois que passa por ele. Um senhor de cabelos alvos e brancos e bengala na mão, passa lentamente fixando o olhar para o cartaz. A expressão não muda em nenhum instante. Rapazes engravatados carregando pastas pretas, estilo 007, não alteram em nada o percurso a caminho dos negócios importantes das empresas. A economia não pode parar. Quem, por um instante, demonstra interesse em ler o que está escrito naquele pedaço branco logo se dispersa com um sorriso envergonhado de quem não entendeu a mensagem.

O terrorismo poético começou com mais poesia e menos terror. Outro cartaz segurado por Maick em suas primeiras intervenções poderia ser considerado algo ofensivo em meio as atuais guerras antiterroristas, embargada de tabela pelo Brasil: “Troco poesia por dinamite”. Mas ele não está nem aí se será considerado ofensivo, maloqueiro, vagabundo ou alguém que só quer chamar a atenção. Porque é isso mesmo que ele quer. Diferentemente dos pais, que como quaisquer outros progenitores, sonharam para o filho a mesma vida de “escravidão do sistema” e que até hoje convivem entre si na mesma casa em que Maick nasceu, no bairro Jardim Peri, zona norte de São Paulo.

– Eles acham que o que eu faço é besteira e não vale a pena. Desejam que eu seja mais um imbecil que só visa “crescer na vida”, mesmo que isso seja uma amálgama de nada.

Sendo uma mistura das coisas ou não, Maick não crê ter nascido com uma missão ou como um destinado que sem objetivos na vida, se diz um missionário para não se sentir vazio. Nem mantêm objetivos por muito tempo. Hoje uma arte, amanhã um texto e ontem dirigir alguém que em meio à multidão pede “um real por uma poesia verdadeira”.

“Brazil mostra a cara. O segredo de minha aurora cataclísmica é a vida, ausente de mesquinharias críticas do tão célebre Balelar. E continuo abominando os que vão ‘beber em fontes’. E que precisam ‘flertar com sei lá o que’ para poder escrever. E, meus caros, nada de ‘dialogar com diabos inanimados’. E chega em nome de algo santo, de ‘criar panoramas’. O segredo do fazer é fazer e pronto. Assim como esse maldito ponto final: Ponto.”

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