MIADO COM PEDIGREE

Os jargões e critérios por trás das exposições de gatos de raça

Clichetes
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por Ana Campos

T rês gatos de pelo semilongo são posicionados por stewards* em mesas bistrôs, de uma perna só. Os juízes tiram a prova final. Examinam brevemente (pegam, levantam, acariciam, testam) e escrevem sua decisão em pequenas placas.

O apresentador contabiliza os votos e anuncia o número do felino vencedor. A imagem do macaco Rafiki erguendo Simba no topo da Pedra do Rei, em Rei Leão, lembra o momento que se segue.

O criador que acompanha da plateia (composta basicamente por eles mesmos, nessa hora) sobe ao palco, recebe um troféu-gato e posa com campeão para uma foto.

Enquanto isso, para os bastidores vão sendo levados os finalistas das próximas categorias. Quase todos eles com as quatro patinhas abertas e aflitas. Miados cambiantes compõem o soundtrack da noite. Já passam das 19h, e o evento começou de manhãzinha.

Horas antes da premiação, o movimento no salão nobre do Clube Homs, na Avenida Paulista, em São Paulo, é bem diferente. Milhares de pessoas passam para checar a 150ª Exposição Internacional de Gatos de Raça.

218 gatos ficam expostos a olhares curiosos e cheios de ternura em tocas cúbicas de 60 cm, acolchoadas e dispostas em mesas que desenham uma espécie de labirinto no salão. Mas o afeto do público na maioria das vezes não é correspondido. Às 14h, boa parte dos felinos dormia, ignorava ou ficava de costas para os visitantes. Isso porque boa parte deles é composta por persas, fofos, tranquilos e demasiadamente sonolentos.

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A competição acontece no primeiro palco paralelamente à exposição. Todos os gatos são inspecionados e recebem um número de identificação. Na primeira etapa, a disputa está entre os de mesma raça e mesma variedade (por exemplo, persas brancos).

Em um segundo momento, eles disputam o Best in Show, que premia os melhores entre suas categorias. “Temos quatro categorias e o SRD. E é nessa hora que as raças competem entre si”, explica Gerson Alves, presidente do CBG (Clube Brasileiro do Gato) e o representante brasileiro entre os cinco juízes desta edição.

Na Categoria 1, estão os Persas e os Exóticos. Na 2, estão os de pelagem semi-longa. Na 3, os de pelo curto. Na 4, os de raças orientais. “Os gatos Sem Raça Definida (SRD) competem na Categoria 5 e são as grandes estrelas, pois são a base da gatofilia [estudo sobre gatos] e têm presença de destaque e consideração”, ressalta Alves. Para complicar um pouco mais, cada categoria se subdivide em classes, que separam os competidores por gênero, idade e castração…

27 prêmios são distribuídos nesta noite de sábado, 17 de maio. Ao final do evento, os juízes elegem o melhor entre todos. O bengal Machu Picchu é o Best Over All da edição.

(Foto: André Hanni/PremieR pet)
ANDRÉ HANNI | PREMIEPET

Para os leigos, a avaliação é intrigante pelo desconhecimento total dos critérios que favorecem ou excluem os gatinhos. Os juízes seguram o animal. Erguem-no pela barriga com uma mão próxima às patas dianteiras e a outra próxima às traseiras. Esticam o rabo. Fazem um carinho meio contundente em sua cabeça. Testam seus reflexos com um tipo de chocalho. Não há cara de deslumbre nem de ‘que coisinha fofa é você’. Como especialistas, a paixão por felinos é técnica.

“Eles são avaliados segundo o padrão estabelecido para cada raça. Existe uma descrição do conjunto do gato detalhando sua estrutura, seu corpo, sua cabeça, com todos os detalhes (tamanho e posicionamento de olhos e orelhas, tamanho de cauda etc). Cada item avaliado tem uma pontuação e o que soma maior número de pontos é o vencedor”, simplifica Alves. “A apresentação do gato conta muito também, ele deve estar bem preparado, e um bom temperamento é fundamental para que ele se mostre em toda sua beleza.”

EM CENA, O GROOMER

“A exposição é como um casamento. Você não vai a um casamento com uma peça qualquer, existe uma produção. A minha função é dar esse toque a mais aos gatos na apresentação”, explica o groomer Val Santarém.

O termo em inglês significa tosador. Mas no Brasil ser groomer implica mais responsabilidade e glamour. Val Santarém é um dos mais conhecidos na área. Comanda uma escola de estética felina e também virou ele próprio um criador de pets de raça. Na exposição, é o responsável por ajudar os donos dos animais na apresentação que Gerson Alves diz ser fundamental.

“Aqui a gente não trabalha só com a parte estética, mas também com a comportamental. Esses animais precisam ter uma nutrição de excelente qualidade para estarem bem e têm que ter socialização”, explica Val. Gatos são sensíveis a mudanças de rotina e podem, portanto, ficar estressados, nervosos ou mais agressivos nessas ocasiões.

Um felino com poder competitivo se submete a uma série de condições. Há técnica de banho, secagem, escovação, finalização, acabamento. Cuidados com unha, ouvido, pelo. Tosa com máquina, com tesoura. Remoção de subpelo, patinhas avolumadas com spray, dieta balanceada. Fora as especificidades de cada raça.

O excêntrico Sphynx, vulgo gato da Rachel de “Friends”, por exemplo, tem cuidados dermatológicos específicos. Uma das principais atrações do evento, não exatamente por sua graciosidade, não possui pelos. Sua pele é enrugada, com textura aveludada, e em função disso, pomadas, filtro solar e cremes fazem parte da sua necessaire. Alguns não possuem sequer bigode (essencial para equilíbrio e orientação), o que os deixa um pouco desnorteados quando pequenos, até se acostumarem com a própria condição.

Facilmente confundido com um bichinho de pelúcia, o Selkirk Rex participou pela primeira vez da exposição. Tem pelo crespo e bigode enrolado e doses extras de carisma. Para manter os cachos, requerem shampoos especiais e não podem ser muito penteados.

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O EXCÊNTRICO GATO SPHYNX

As competições valorizam o animal em termos financeiros. Um filhote de campeão tem mais valor no mercado. E, embora o evento não autorize a comercialização, é um espaço para fazer contatos. Os gatos da raça Maine Coon, ou gatos gigantes, são os preferidos. Fora o tamanho (são os maiores do mundo, podendo chegar a 100 cm de comprimento e 14 kg), chamam a atenção pelos olhos expressivos e orelhas pontudas. Custam em torno de R$ 4 mil.

“Os felinos recebem o melhor tratamento que se pode esperar. São os melhores representantes de suas raças, cuidados por criadores apaixonados e zelosos. As exposições são ferramentas importantes que levam conhecimento ao público leigo interessado, que passa a conhecer as diferenças entre raças e seus temperamentos”, afirma Gerson Alves.

A busca pela pureza, contudo, pode oferecer riscos aos animais. São mais de 150 doenças genéticas conhecidas nos gatos associadas a genes recessivos, que se perpetuam devido à baixa variabilidade genética.

A GATOFILIA

“Amante nata de felinos, no início da década de 70, Anne Marie Gasnier conheceu em Paris madame Ravel, membro da diretoria da FIFè — Fédération Internationale Feline. Ravel veio a ser a mentora e apoiadora do grupo de criadores do Clube Brasileiro do Gato, com a fundação da entidade em 22 de Setembro de 1972, tornando Anne Marie a primeira presidente do CBG”, introduz o site oficial do Clube.

Gerson Alves, na presidência atualmente, explica que, para se tornar um juiz de gatos, são anos de dedicação. É preciso participar de todos os processos de uma exposição e ter experiência diária com os animais. Não à toa, muitos dos profissionais envolvidos em diferentes áreas do evento tinham em comum a criação de felinos de raça.

A primeira etapa é se tornar um aluno juiz e para isso o candidato terá de atender pré-requisitos e acertar pelo menos 80% de um exame, que pode ser em inglês, francês ou alemão. A partir daí, a formação completa inclui provas escritas e práticas, participações em seminários e uma sucessão de etapas, consumindo cerca de sete anos.

Alves integra esse universo há 20. “Durante esse período foi tudo acontecendo gradativamente, conhecimento, paixão e dedicação. A vontade de fazer a gatofilia crescer no Brasil fez com que eu me tornasse presidente do CBG e buscasse projetá-lo no conhecimento público.”

*Steward: Segunda autoridade da exposição. Faz a ponte entre criadores e juízes e apresenta os felinos de forma adequada.

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