O MUNDO ENCANTADO DE POMAIRE

Desvendando novos roteiros turísticos em território chileno

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texto e fotos Janaina Garcia, em Santiago do Chile

Qual o programa mais interessante a se eleger em uma localidade que não é a sua –de preferência, de língua e tradições distintas das que compõem seu dia a dia? Foi preciso deixar minha zona de “conforto” paulistana para entender, em solo chileno, que só quem vive a rotina desses lugares é capaz de fornecer respostas simples e plenas, mas que nem sempre soam tão atrativas ao material publicitário das agências de turismo.

O café da manhã de um hotel no centro de Santiago, no começo deste ano, deu a deixa para eu me arriscar: perguntei à simpatia que nos servia, tagarela que só com os clientes –todos — brasileiros, que passeio ela considerava imperdível e o mais típico dali. “Pomaire” foi a resposta pronta, embebida num orgulho bom daqueles que fazem a pessoa até inclinar a cabeça suavemente enquanto o olhar repousa num quê de prudente superioridade.

Recebidas as indicações de transporte até lá, sem a necessidade das salgadas tarifas de táxi locais (em tempo: nada, porém, a que eu não estivesse acostumada em São Paulo), o dia seguinte, um domingo, seria investido em conhecer esse lugar de turismo para… chilenos.

Sim, essa foi a forma como a funcionária do hotel se referiu a Pomaire. E não foi difícil de entender: dos sete dias que passei na capital chilena e seus arredores, foi lá onde, definitivamente, ouvi português apenas das minhas elucubrações em meio àquela onda de hispano hablantes.

Pomaire é originariamente um vilarejo de origem indígena, pré-colombiano, fundado no longínquo ano de 1771. Foi graças a um período de domínio inca, diz a tradição local, que as técnicas artesanais avançaram ao grau que conferem hoje à cidadezinha a fama de bom e meticuloso artesanato –a maior parte dele, à base de cerâmica de argila.

Não espere encontrar em Pomaire as lindas peças decorativas confeccionadas em cobre –o Chile é o maior produtor mundial do metal –ou as joias fabricadas com a famosa pedra azul de lápis-lazúli do Chile, encontrada em poucos países no mundo. Deixe essa missão para as lojas e feiras de Santiago –onde, aliás, existe a espetacular e grandiosa feira de artesanato localizada nos pés do Cerro de Santa Lucía, no centro.

Em Pomaire, é como se o tempo tivesse deliciosamente parado. Ruas de uma pavimentação rústica abrem o caminho para lojinhas de moradores que exibem seus artesanatos em cerâmica ou madeira, já nas calçadas, embalados por música campesina.

Pelo trabalho manual o pequeno vilarejo cresceu, por ele as gerações que seguiram mantiveram a tradição –conceito tão arraigado e tão rico aos nativos.

“Comecei aos 12, 13 anos a mexer com artesanato e logo me tornei independente, pois era algo que me dava vida própria. E o bairro se transformou, com essa atividade, mais do que a nossa agricultura –minha mãe era artesã e meu pai, agricultor, mas meus quatro filhos me ajudam no artesanato”, conta Rodrigo Tolledo, 40, dono de um comércio de peças de cerâmica para decoração e para cozinha.

Ao saber (claro, o sotaque também denuncia) que a repórter é brasileira, brilha os olhos ao citar nomes de craques do nosso futebol (ok, alguns craques de anos atrás) e destaca: esteve no Brasil, nas fluminenses Búzios e Cabo Frio, há dois anos, para uma oficina de artesanato com trabalhadores locais. E as lembranças são realistas e nem um pouco desatualizadas: “Era uma gente muito humilde e sacrificada, que queria deixar a pobreza por meio da arte, com poucos fornos para confeccionar suas peças, mas que sabia muito o que fazer e o que queria fazer”, recorda.

A poucos metros dali, uma loja minúscula e com dezenas, centenas –e o dono garante: milhares –de fitas K7 (sim, padre Quevedo, ellas existen!) ajuda o visitante a pensar: em que ano estou, mesmo? A atmosfera de encantamento com o lugar, reforçada pelas cores vibrantes das peças de artesanato e pela decoração rústica de rua, só é quebrada quando algum cidadão oferece a você que faça sua própria peça em cerâmica, no barro molhado, ajudado pelo artista do local. Por alguns pesos, a “obra” que sai da experiência é sua. Crua, sem passar pelo forno, mas é sua.

Cultivadores de bonsais, músicos, carabineiros (a polícia chilena) espalhados pelas vias –e, não se assuste solícitos a dar informações –integram a paisagem, recheada com uma culinária que se confunde com a fama de Pomaire, no todo.

“Pomaire? Ah, não perca a empanada gigante”, foram as menções que ouvi após as indicações da ‘guia’ da cozinha do hotel. De fato, a empanada de Pomaire faz jus à fama; é de encher os olhos num movimento panorâmico deles. Em 1995, foi uma delas, de um restaurante local, que entrou para o livro dos recordes. Mas é para os fortes.

Há opções culinárias igualmente notórias, mas substancialmente mais encaráveis aos menos aventureiros, como o pastel de choclo –espécie de escondidinho de milho — e as humitas –pamonhas salgadas –, iguarias capazes de deixar o Chile como rota de visita de algumas outras oportunidades na vida. A gentileza e a cordialidade do chileno, aliás, agradecem. Não sem um “que te vaya bien” antes. Que así sea.

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