SPOTTED: UM CORREIO ELEGANTE VIRTUAL ABERTO AO PÚBLICO

Admiradores assumem seu lado pedreiro sob a liberdade do anonimato

Clichetes
clichetes

--

por Ana Campos

S omos infelizes porque ouvimos música pop ou ouvimos música pop porque somos infelizes? Eis a questão popularizada por John Cusack em “Alta Fidelidade”, filme baseado no livro homônimo de Nick Hornby. Certas referências culturais nos tornaram românticos mimados. Queremos introduções memoráveis, desenvolvimentos dramáticos, finais felizes, ou ao menos dignos de uma boa e triste ficção.

Uma garota de cabelo azul se acerca de um cara tímido para puxar um assunto qualquer num vagão. O nerd com fone de ouvido pega o elevador com sua colega de trabalho, por quem está apaixonado, que lhe pergunta certeiramente: “Smiths? I love The Smiths”. Olhares que se cruzam em uma estação de trem parisiense viram uma fofa saga de encontros e desencontros.

“Va fa Napoli,” diria Joey Tribianni.

Na vida real, a sorte não costuma sorrir assim. Nenhum muso inspirador aparece para ajudar a recolher as moedas que caíram no chão. Duas mãos não disputam o mesmo livro na prateleira da biblioteca. Nesse caso, o mais provável é esbarrar com caras de tecnologia da informação totalmente focados, estudando alguma matéria que meu vocabulário não permite precisar.

Como o destino parece ser um bêbado sacana, algumas medidas começaram a ser tomadas. Correio elegante, elogios na lista de chamada, brincadeira de salada mista para os pequenos, verdade ou desafio para os crescidinhos.

esotsm-trailer[1]
CENA DO FILME BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS

O spotted, no Brasil, surge então como a versão moderna da declaração anônima. São páginas na internet e no Facebook que permitem que admiradores manifestem seus sentimentos sem expor seu nome e seu orgulho.

Imagine: viu a ruiva dos seus sonhos comprando uma coxinha na cantina da Universidade de Jijoca de Jericoacoara? Não tem ideia de como ela se chama ou o que estuda? O spotted da Universidade de Jijoca de Jericoacoara dá uma forcinha. Mande uma mensagem descrevendo a dama, a hora, o dia e o lugar em que a viu. Libere suas emoções, apele às letras do rei Roberto Carlos e aguarde sua mensagem ser publicada. Caso a ruiva veja, se reconheça e se interesse, pode perguntar aos moderadores a identidade do seu fã. Eles, por sua vez, enviarão o perfil dela para o admirador confirmar se ela é, de fato, a sua Cinderela. Com a autorização prévia dos envolvidos, eles apresentam os respectivos perfis, e o resto vira história.

Assim, pelo menos, funciona o Spotted: Metrô SP, criado seis dias depois que foi ao ar a sua fonte de inspiração, o Spotted UEM (Universidade Estadual de Maringá). Do dia 17 de abril deste ano até a presente data, a fanpage do transporte público paulistano já conta com mais de 12.100 adeptos. Dez pessoas administram um número variável de mensagens diárias. Segundo Samara Rizzo, idealizadora da página, há dias que chegam 10, 20 ou 50 recados.

A paquera no metrô é um clássico impregnado no inconsciente de muitos transeuntes. No filme “Jogo Subterrâneo”, o pianista Martín (Felipe Camargo) está certo de que a mulher da sua vida está entre vagões e estações.

No perfil do Facebook, moços e moças à procura de seus amores à primeira vista dividem o protagonismo das declarações. A linha 2-verde “é a mais querida e mais citada”. Sobre a eficiência, Samara contabiliza uns 15 ou 16 casos de sucesso. “Tem quem consiga essa proeza… A galera vem e fala ‘meu, obrigada/o de verdade, encontrei o menino/a’.”

Se no Spotted: Metrô SP recados líricos/piegas prevalecem, nos das universidades, a comédia romântica dá lugar à pornochanchada. Há mocinhas explicitando o desejo de brincar com a excalibur dos rapazes. Eles não temem dizer que querem lhes mostrar o tubarão. Ninguém se enrubesce ao externalizar seu lado Alexandre Frota. “É como se existisse um ‘coração de pedreiro’ dentro de cada estudante”, definiu o cineasta Matheus Souza sobre os anônimos da página PUC — Rio.

“Esse seu vestidinho listrado me faz lembrar que você é igual faixa de pedestre! Eu respeito, mas a vontade é avançar!! Quem é você??”, tirado da USP Brasil — como queríamos demonstrar.

De cidade a franquias de academia, a nova mania parece ter um grande potencial de crescimento.

SPOTTED MIMIMI

mimimi2

Mas nem tudo é paquera e azaração. Há quem aproveite o espaço para xingar o cidadão que fica na porta do metrô empacando a passagem, para comentar a grosseria de um atendente ou para falar do motorista de ônibus que dirige tal qual Annie Hall, do Woody Allen.

Na mesma linha do São Paulo da Depressão (página-desabafo sobre o dia a dia na metrópole, também moderada por Samara), há o Spotted UnB — VSF para reclamar dos problemas da Universidade de Brasília.

“Eu quero mandar um vsf [‘vai se fuder’, para quem não está familiarizado] pro banheiro do RU q travou e me prendeu la… E eu tive q gritar socorro durante meia hora”, ou ainda, “VSF pro cara que tá comendo tangerina agora de tarde aqui na BCE. De manhã foi a goiaba do outro e agora isso! Por que vocês não trazem frutas tipo maçã ou banana que não deixam o ambiente todo com esse cheiro?”.

NÃO SABEM BRINCAR

Spotted pode significar marcado ou flagrado. No exterior, o termo “flagrado” parece ser a tradução mais adequada. Isso porque a brincadeira virou bullying, chegou à reitoria de universidades e são temas de discussão na internet.

Fofocas e comentários maldosos, que não são necessariamente uma novidade no mundo virtual, ganham mais alcance com os spotteds universitários — específicos o suficiente para o alvo da piada ser identificado e grandes o suficiente para os comentários repercutirem.

No britânico “The Guardian”, um artigo classifica o fenômeno como cruel, por vezes misógino e racista. Para alguns alunos, ir à biblioteca, local onde ocorrem os comentários, virou uma experiência paranoica, uma vez que fotos também são postadas junto aos comentários.

Em protesto, surgiram páginas Stopped, que conseguiram tirar do ar os spotteds das Universidades de York e de Exeter. Outras instituições impediram a prática nas bibliotecas.

George Orwell, Gossip Girl. A vida imitando a arte e a indústria do entretenimento.

MENOS CINISMO

Certas manifestações nos Spotteds carregam um pouco da música-tema do filme argentino “Medianeras”. Mariana (Pilar López de Ayala) questiona como poderá encontrar “a” pessoa se ela nem sabe quem está procurando. A canção de Daniel Johnston responde que o amor verdadeiro vai achá-la no final, sustentando a crença de que não existe casualidade nos encontros. Mas, entre jovens na faixa dos 25, a esperança pode estar um pouco desgastada.

Pergunto, ingenuamente, se Samara acredita que o Spotted: Metrô SP é um sintoma da nossa sociedade — ansiosa, imediatista, solitária, carente, etc etc. Ela, com 18 anos, me responde: “olha, as atitudes só provam que, no meio da nossa correria, ainda há pessoas que param por minutos para reparar em outra”. Simples assim.

--

--